Vivemos em uma sociedade dos discursos politicamente corretos, o que se fala não condiz com aquilo que é realizado na prática. Difícil assumir e superar os preconceitos armazenados no DNA, mais fácil mascarar, adotar a falsa narrativa do não racismo, ao invés de assumir medidas realmente coerentes e eficazes.
A vida e a minha profissão oportunizam encontrar histórias reais que representam bem essa incongruência. Recentemente, em uma demanda trabalhista, ao defender os interesses de um funcionário, que trabalhava em uma das maiores indústrias de bebidas do mundo, ficou comprovado, diante das provas e das testemunhas, que ele era insultado, humilhado e chamado de “macaco”, pelo seu chefe imediato, pelo simples fato de ser preto.
No processo a empresa foi condenada a pagar os danos morais. Vejamos parte da sentença do juiz de primeira instância:
“Destaque-se que tal fato foi cabalmente comprovado pela testemunha do reclamante que afirmou que “o Sr. XXXXX xingava não só o reclamante, como todos, proferindo palavrões e chamando os funcionários de “macaco” e outros”.
”Ademais, consoante orientação da doutrina e da jurisprudência, não se dispensa a observação do grau de reprovabilidade da conduta do agente, a repercussão do fato na esfera do lesado e o caráter profilático, consistente em inibir a repetição do ilícito. Pelo exposto, julgo procedente o pedido de reparação pelo dano extrapatrimonial sofrido, e condeno a reclamada ao pagamento de indenização arbitrada em R$ 3.000,00.”
Mas, será que apenas R$ 3.000,00 mostra-se suficiente para reparar o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima chamada de macaco? Foi a decisão mais acertada e justa? Entendemos que não, e por isso, recorremos ao Tribunal (2º instância), porém, os desembargadores mantiveram o valor da condenação. Observe parte da decisão:
O valor arbitrado deve atender a duas finalidades: a punitiva/educativa e a compensatória, não podendo ser exagerado, para que não ocorra o enriquecimento sem causa, e não devendo ser ínfimo, para que o ofensor não reste impune. Nesse trilhar, razoável o montante de R$ 3.000,00 arbitrado na origem, pelo que mantenho o valor e demais parâmetros da r. sentença de primeiro grau.
O Dia da Consciência Negra abre a reflexão sobre as dificuldades de avançarmos em passos mais firmes para a extinção do racismo. O nosso Judiciário, composto da grande maioria branca, parece não ter a sensibilidade e a percepção para amoldar suas decisões e combater a pratica inaceitável do racismo, que é velado e institucional.
Segundo o IBGE, 54% da população brasileira são negros. Em nossa Suprema Corte, nenhum preto, na Câmara dos deputados, 75% são brancos, nas 500 maiores empresas do país, os negros nos cargos de gerência somam apenas 4,7%, de acordo com os dados do Instituto Ethos. Com esse cenário continuaremos a lembra por décadas, na data de hoje, do Zumbi dos Palmares, sem avanços, sabendo que a nossa elite jamais terá a consciência da necessidade de mudança.
É nítido e comprovado por esses dados que os negros são marginalizados. Eles representam a maior parte da população mais pobre do país, possuindo os menores salários, um menor acesso à saúde, e a menor expectativa de vida, sendo as principais vítimas de homicídios, são raras as exceções que conseguem destaque.
Chega do discurso invasivo e contraditório, precisamos reconhecer que o racismo existe e está nas Casas Legislativas, no judiciário, nas grandes empresas e até ai do seu lado. Não seja indiferente, procure informações, incentive o antirracismo e a criação de oportunidades para as etnias oprimidas.
Sou Júlio César, advogado, filho e neto de pretos únicos, nem inferiores ou superiores se comparados a qualquer outro ser humano.